A Vida e o Tempo


Nunca fora ácido o seu olhar; mas a amargura tinha-lhe tingido a voz, a revolta marcado o compasso de todas as horas que ali vivera. E tantas tinham sido.
Subira as escadas daquela Casa, não com dor, mas com desafio; aquele que com outros, seus também, ensaiara, para se mostrar ser homem.
Sentira, no entanto, o temor, deixou-se, mesmo, descair na vontade de lhe mostrar que tinha, também ele, um coração que batia. Resistiu, contudo.
Esquecera-se que todos os que sobem aquelas escadas têm Alma, estava demasiado assustado.
Mas a Vida viveu-o e ele deixou que todas as dores lhe doessem, que o Tempo chegasse enfim.
E hoje já não lhe esconde o olhar e a sua voz já lhe sai límpida.
Está dorido mas apaziguado, sonha e sabe que todos têm Alma.







Da Contemplação das Almas



Por cada uma das vidas que as suas mãos manejam, o silêncio é mais alvo no seu recanto, o que fica depois das escadas.
As escadas da Casa que todos os dias sobe, mas já não com o mesmo ritmo. Pois todos os dias os seus passos parecem mais firmes, ainda que os sinta mais suaves; estão mais robustamente amenos.
O Mundo não os calcula assim, mira-os como austeros e rijos.
Não lhe conhece, ele, nem o sorriso muito menos as lágrimas, até o soluço amargo, que as Almas que a sua toca lhe logram: contempla-as, quase sempre, com a brandura que a penumbra da noite lhe oferece, quase ao amanhecer. Encontra-lhes, o que sempre sentira, a humanidade. Irmandade, assim.
Mas sabe que a sua jornada, tal como a das outras Almas, é um Caminho. Há que segui-lo.
Fá-lo.
Depois de as sentir, às suas Almas, não há dor, nem qualquer lamento; há apenas a profunda humildade de saber-se igual, ainda que ali, naquela Casa, diferente.